“Zé Limeira, poeta do Pinel,/ Foi a musa de Salvador Dalí”

“Zé Limeira, poeta do Pinel,/ Foi a musa de Salvador Dalí” é um dos poemas do livro “Décimas a galope”, de autoria de Arturo Gouveia de Araújo, professor titular da Universidade Federal da Paraíba. Leciona Literatura e Teoria Literária e desenvolve seus trabalhos em função de cursos e da produção científica do Programa de Pós-Graduação em Letras. É autor de inúmeros livros, bem como poemas, contos, e outros gêneros literários. Canibalismo de Outono (2016) é o seu primeiro romance.

Arturo Gouveia de Araújo

Vejamos o poema abaixo:

“Zé Limeira, poeta do Pinel,/ Foi a musa de Salvador Dalí”
Para Beto Quirino

Conheci Zé Limeira no Convento
Quando fui conversar com Riobaldo.
Ele tava tomando sopa em caldo
E mandou-me tomar um banho lento.
Meu suvaco já tava piolhento,
Semelhante à virilha do Saci.
Policarpo é tupi e é guarani,
Já mandei a razão pro beleléu
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Sem o Zé, ‘xemplo máximo de trova,
Recitava Drummond, Pessoa, Poe,
Mas nenhum minha mente escravizou
Pra jogar a mãe-lógica na cova.
Só Limeira me deu sova após sova,
Mandei tudo pra Gruta de Pali,
Degolei colibri por colibri,
Degolei tudo a que fui tão fiel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Um mendigo assaltou a velha Espanha
E levou os pincéis do grande gênio.
Ele pôs-se a pintar com hidrogênio,
Porque gênio nenhum nunca se acanha.
Só cortando metade dessa banha
Vou ser mais espontâneo no xixi.
As primeiras vogais são a – e – i,
Se não sabe vai preso no quartel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Verso a verso ele foi surrealista,
Tal Princesa Izabel no cativeiro.
A gagueira de Pinto do Monteiro
Tá na voz caprichada do solista.
O abiççurdo, cubista ou expressionista,
Tá na fala tubi or no tubi.
Elsenor é o palácio de Geni
Onde faz troca-troca com o anel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

O pintor bagunçava com Picasso,
Zé Limeira zombou do mundo todo,
Manejava, puxava era de rodo
Mil palavras até cansar o braço.
Manicômio jamais foi embaraço
Pra tintim por tintim pontim no I.
Dava traço em Pelé, Vavá, Didi
E vivia virado no tetéu
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

O abiççurdo, pintado gota a gota,
Bota a gota serena em cada tela,
O poeta jamais guardou a goela,
O pintor só gostou duma garota.
Já comi pão francês xei de catota
Que roubei de Procópio e de Bibi.
Xeleléu, Mondrian e Bruce Lee
Têm lugar garantido lá no céu
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Seja em feira, mosteiro, igreja, rua,
Nasce, cresce o abisçurdo e nunca morre.
No rojão do poeta, em corre-corre,
Necessário é que a rima sempre flua.
Com a cabeça jogada lá na lua,
Vou chegar de jumento até Madri.
Quando eu tinha cem anos, um guri,
Defendi minha tese de cordel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Frei Henrique Soares, o padreco,
Que a memória até hoje me carimba,
Fez a primeira missa na cacimba
Com matraca, cuíca e reco-reco.
Quando o índio acunhou no seu caneco,
O seu queixo bateu num piloti.
Ficou dentro do saco do gari
A lamber o estupor do branco mel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Como disse uma vez Beto Quirino,
A poesia é um bolso de mortalha:
Troca a lógica, um mal qu’ela estraçalha,
Pela vaga linguagem de menino.
Coroinha que sou, só toco sino
No período das férias de Zumbi.
Fui primeiro lugar em Parati,
Competi com o charuto de Fidel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

São José, com São Pedro em plena farra,
Esqueceu de fechar a padaria:
Tanto pão eu roubei naquele dia,
Que me enchi, me entupi, caguei na marra.
Tem poeta que numa boca escarra,
Tem quem viva esperando o Jabuti…
Eu prefiro vir de Piripiri
E pegar na Espanha meu chapéu
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Cebolinha dá tapa e não assopla:
Fez de mim um pirralho bem babaca:
Colocou-me com os turcos numa vaca
E ajudei a tomar Constantinopla.
Matemática soma, ajunta, acopla
Os amores da branca com Peri.
Noutra vida serei um bem-te-vi,
Pra na infância já ser um menestrel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

Ao sair dessas décimas precárias,
Já me sinto um poeta diminuto:
Vai minuto, sucede outro minuto,
Só me vêm expressões bem ordinárias.
Sem acordes, legatos, solos, árias,
Meu desejo era já sumir daqui.
Vou agora chupar um sapoti
E gastar minha língua em puro mel
– Zé Limeira, poeta do Pinel,
Foi a musa de Salvador Dali.

*****
Arturo Gouveia
(Paz, terra e pão)

 

Diz Arturo Gouveia: “Seguindo a sugestão (já há um tempo) de Milton Marques Júnior, Beto Quirino e Domilson Coutinho, aos quais dedico essas décimas, tento fazer uma prosa sobre o maior poeta fantástico de todos os tempos: Zé Limeira. A diferença é enorme, o abismo é intransponível, mas fica pelo menos a intenção de um poeta incipiente e insipiente”. Vejamos como Arturo Gouveia começa o desafio:

CONVIDEI ZÉ LIMEIRA PRUMA PINGA
E ELE TROUXE MOREIRA E JULIANO”
.
.
A Beto Quirino, Pai Dodó e Milton Marques Jr.
.
Convidei Zé Limeira para um drinque,
Com fofoca, aos montão, aqui em casa,
Ele logo rasgou cartões da Nasa
Para minha poesia entrar nos trinque.
Leve a sério, leitor, cum eu não brinque,
Zé Limeira era um antiamericano
E me disse que o drinque era profano
E chamou dois amigos de Restinga:
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.
.
Eu deixei todos três no bem da glosa,
Que ficassem bem livres e à vontade,
A contar, com total fidelidade,
Qualquer uma resenha saborosa.
Quem primeiro pediu pra fazer prosa
Foi Moreira, o maior cartesiano.
Com lorota nos ossos, no tutano,
Mentiu tanto que chega deu catinga.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.
.
“Mastiguei, de bovinos, em dois dias,
1000 testículos e ovos com pirão,
Costurei, com cabelos de Sansão,
As sandálias sagradas do Messias.
Dei ideia a Davi contra Golias,
Instruí no balé São Cipriano.
Se eu mentir nessa vida em algum ano,
Vai meu ânus se encher de pixilinga!”
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.

***

Em seguida, Arturo Gouveia faz considerações irreverentes sobre como a forma de uma “décima” deve ser embasada em algumas teorias . Assim, diz: “Já está provado cientificamente, à luz da quarta lei de Newton atualizada por Gödel, com base na multicongruência pós-foucaultiana do paradoxo de Fermi, somada ao valor de Delta-Pi da grandeza F3, elevada ao ângulo da hipotenusa da razão kantiano-pinelística, que uma décima tem dez linhas. Mas cada linha tem que ser mentalmente cantada, com as cesuras 3, 6 e 10, tipo: ‘Só com outro Zumbi ou quilombola,/ Pode o negro alcançar a liberdade”, de Ivanildo Vilanova.  Afora esta indução augustiana da “energúmena grei dos ébrios da urbe’, coloco-vo-los:”

 

(continuação)
.
Quem depois proseou, de aeronave,
Foi o bom Juliano, língua treta,
Que guardou a Razão numa gaveta
E na tripa gaiteira pôs a chave.
Urinou em dois Papas no Conclave,
Com apoio do bom samaritano:
Se casou com um chinês e um tibetano
E largou todos dois por outra gringa.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.

“Hidrogênio tem água (em grego, hidro),
Tem o gênio das águas de Netuno,
Ganimedes, quando era meu aluno,
Atacou Poseidón com faca e vidro.
Se você não lavou o Zé Izidro,
Passe ao menos papel e lixa e pano,
Passe as mãos e depois dê pro cigano
E depois um abraço em Cafuringa”.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.

“Nunca fui nem serei de vida insossa,
Minha pilha pra sempre está acesa:
Como tudo, sem luxo, e a sobremesa
É cocô de pirrai com leite moça.
Vi Tarzan quando era aeromoça
E usava um OB de ferro e cano.
Catapulta já fui, mas por engano
Recrutei as guerreiras da mandinga”.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.
***
AG
Aguardem mais.
Paz, terra e pão.

 

E vos que chega, para o desafio, Milton Marques e, em resposta à peleja de Arturo Gouveia, diz:

 

Para Arturo Gouveia, expert no martelo agalopado de 3×10.

Numa roda de samba com Vojtyla,
nos porões do palácio de Queluz,
vi Platão, num flamenco andaluz,
e Karl Marx bebendo rum montila.
Júlio César, que estava numa fila,
maltratado por um cabo alsaciano,
galopava em castiço italiano,
parecendo um malandro cheio de ginga,
CONVIDEI ZÉ LIMEIRA PRUMA PINGA
E ELE TROUXE MOREIRA E JULIANO.

 

E, mais uma vez, arremenda Arturo Gouveia[…]:

(continuação)
Ao ouvir os dois jovens na parada,
Zé Limeira os despreza em vinte laudas:
Dois pirrais pendurados numas fraudas
E com gosto do leite da empregada.
Preparou-se pra próxima empreitada,
Como quem vai sangrar um moicano.
Duplicou todo pelo pubiano,
Com o veneno fatal de quem se vinga.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.
.
“Quando Pedro I foi embora
E deixou seu herdeiro meninote,
A Princesa Isabel pus num caixote
E mandei de avião pra Seu Asfora.
Três chupetas comprei pra minha nora
E esfreguei no bumbum de um otomano,
Sequestrei o busão de um marciano
E voei sobre a casa do Coringa”.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.
.
“Palitei tubarão só com um friso,
Fui perito em gravata de girafa,
Cavalgando pro céu peguei estafa
Mas cheguei de jumento ao Paraíso.
Quando fui São José disse ‘Tô liso’
E troquei o jumento num piano:
Transo punk e Noel, sou bachiano
E nas décimas tô é ca mulinga”.
Convidei Zé Limeira pruma pinga
E ele trouxe Moreira e Juliano.
.
.
AG
Aguardem mais.
Paz, terra e pão.

 

[…]é quando também entra para o desafio Beto Quirino:

 

Desafio de Arturo Gouveia

Fui saindo e fiquei de pé
Quando todos queriam cavalgar
Numa sela da gota do luar
Construindo o objeto da maré
Gritei como é que é
Que se faz malote de pano
Coisa antiga é conhecer gano
Misturado no botico pixilinga
CONVIDEI ZÉ LIMEIRA PRUMA PINGA
E ELE TROUXE MOREIRA E JULIANO

(BQ)