Quem é Zé Limeira, o poeta do absurdo?
Zé Limeira: o gênio mítico do absurdo na nossa Arte Popular Nordestina
Zé Limeira foi poeta, cordelista e repentista brasileiro. Cantador bom de viola, poeta irreverente, gozador e que não se deixava desafiar. Nasceu no sítio Tauá, em Teixeira, sertão da Paraíba, considerado um dos principais redutos de repentistas no século XIX. Ficou conhecido como o Poeta do Absurdo.
Vestia-se de forma extravagante, com enormes óculos escuros, lenço no pescoço, muitos anéis em todos os dedos, e saía pelos caminhos de sua vida, andando de lá para lá com seu “foigo de sete gatos”e com sua viola cheia de fitas para São Gonçalo – o padroeiro dos cantadores -, cantando seus versos ricos em métricas, rimas e musicalidade sobre “as mais espontâneas e mirabolantes invenções de um espírito que em muito se identificava com as alegrias do corpo e da vida em todas as suas dimensões: a sua própria, a do seu povo e a que este jamais ousava ou imaginava viver. Assim como as mais comuns, das escatologias a outras do baixo corpo e do baixo calão”. (Diário do Nordeste, 2005).
Os temas que abordava em suas poesias e repentes eram diversos e, por vezes, beiravam o absurdo. Nome pelo qual ficou conhecido. Zé Limeira criava poesias recheadas de surrealismo, neologismos estapafúrdios, inventava e dizia palavras inexistentes, mas que o povo apreciava e aplaudia. De acordo com Mouzar Benedito (2012), “mas não eram só palavras inexistentes que ele usava, eram situações inexistentes também, juntando personalidades e fatos célebres que se passaram em séculos muito diferentes. Jesus Cristo, Getúlio Vargas, Napoleão Bonaparte, Tomé de Souza e outros vultos históricos aparecem às vezes convivendo nos mesmos versos, às vezes em situações absurdas, como Jesus Cristo ‘sentando praça na polícia’”.
A seguir alguns trechos dos versos de Zé Limeira “ o poeta do absurdo”
“Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada.”“Uma véia gurizada
Pra mim já é fim de rama,
Um véio Reis da Bahia
Casou-se em riba da cama,
Eu só digo pru dizê,
Traga o Padre pra benzê
O suvaco da madama.”“Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum,
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum,
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem comprimisso nenhum.”“Napoleão era um
Bom capitão de navio,
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.”“Meu verso merece um rio
Todo enfeitado de coco,
Boa semente de gado,
Bom criatoro de porco,
Dizia Pedro Segundo
Que a coisa melhor do mundo
É cheiro de arroto choco.”“É difícil um home moco
Aprendê pornografia,
Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno,
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.”“São Pedro, na sacristia,
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom”.“Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça:
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.”“Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram Betelelém,
Chupô cana num engem,
Pediu arrancho num brejo,
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira malhô
Foi que Judas vendeu Jésus!”“Jesus saiu de Belém,
Viajando pra o Egito,
No seu jumento bonito,
Com uma carga de xerém,
Mais tarde pegou um trem,
Nossa Senhora castiça,
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro,
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!”“Eu me chamo Limeirinha,
Nascido lá no Tauá,
Entre casca de angico,
Miolo de Jatobá,
Bico de pato vadio,
Ipicilone, z-a e zá.”“Aonde Limeira canta
O povo não aborrece,
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce,
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!”“Onde eu canto de viola
O povo chama São Braz,
A otomosfera agita,
Fica catingando a gás,
Polda de jumenta nova
Rincha de cair pra traz.”“Carmelita e Carmeluta
É tudo uma coisa só;
Carmeluta é pro chambrego,
Carmelita é pro xodó,
È prato de pirão verde
Com xerém de mocotó,”“Um General de Brigada,
Com quarenta grau de febre,
matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada…
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela,
Porco que come em gamela
Prova que ano tem fastio,
Peixe só presta de rio,
Piau de tromba amarela.”“Cantador pra cantar com Limeirinha
É preciso ser muito envernizado,
Ter um taco de chifre de veado
E saber decorado a ladainha,
Ter guardado uma pena de andorinha,
Condenar pra sempre o carnaval,
Guardar terra de fundo de quintal
E é preciso engrossar o pau da venta,
Beber leite de peito de jumenta,
Ediceta, pei-bufo, coisa e tal!”
Referências:
- Zé Limeira, o poeta do absurdo de Orlando Tejo. Resenha de Mouzar Benedito. Blog da Boitempo, 30 de outubro de 2012
- Tejo e Zé Limeira, por Braulio Tavares. Jornal da Paraíba, 14 de dezembro de 2013
- Metamorfose do absurdo. Diário do Nordeste, 3º Caderno. 25 de abril de 2005